Bom Dia - O Diário do Médio Piracicaba

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10/01/2025 11h53

A POESIA ERRANTE DE MARCOS LIZARDO

"Arte é tudo o que se torna supérfluo quando os tempos andam difíceis".

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Entrevista com o escritor, poeta e agitador Cultural Marcos Lizardo. Marcão é um poeta por excelência, leitor voraz, participa ativamente da cena cultural da cidade e tem muito o que dizer. Em breve lança seu livro ERRANDO POESIA. Mas vamos à entrevista: 
 
BOM DIA – Quem é o Marcos Lizardo? Qual a sua procedência?
 
Marcos Lizardo - Um paulista vivendo em Minas, quarto dos dez filhos de um farmacêutico e uma dona de casa, nasci no velho oeste paulista, numa cidade chamada Timburi, morei em Piraju, nos meus sete anos de idade viemos todos para Osasco, onde vivi 17 anos, até me mudar para a Capital Paulista, de onde sai em 2019, para vir morar em Minas, primeiro em Sete Lagoas e agora em João Monlevade. Procuro ainda saber quem sou. Acusam-me de ser multiartista, por ter passeado pelo desenho, pela pintura, entalhe em madeira e pela escrita. Por enquanto essa busca me trouxe aqui, mas um poema meu, intitulado “A Chuva que cai”, chegou primeiro, integrando um varal de poesia num evento chamado Primavera Cênica, da Companhia de Teatro “O Salto”, trazido por uma admiradora à distância, que depois tornou-se amiga, namorada e esposa. Ela filha dessa cidade, aproveito para denunciar seu nome, Maria Luciana companheira na arte e na vida, no amor e na luta.
 BOM DIA – Como é a sua relação com João Monlevade?
 
Marcos Lizardo - João Monlevade me estranhou no início, cidade nem muito grande nem muito pequena, onde todos se conhecem e onde me sinto mais conhecido do que esperava.  Mas desejava uma relação maior e mais desenvolvida com os artistas da cidade, todos eles, acho que Arte e Cultura é como um cozido que deve ser bem-feito, se a gente não mexer, perde o ponto. 
 
BOM DIA- Como você ingressou no mundo das letras?
 
Marcos Lizardo - Através da leitura. Desde que me entendo por gente, leio demais. Tanto, que acho que por um período li mais o que quis do que o que precisava ler, se é que é possível fazer essa distinção. Sempre gostei de redação e, além disso, de dicionário e gramática.  Até que, em 2005, voltei-me para a leitura e escrita de poemas. Achando que minha memória era ruim, comecei a decorar poemas e tomei gosto, pela leitura, é claro, e nunca mais parei. 
 
BOM DIA- Você tá lançando um livro de poesias no próximo mês. Qual a perspectiva da poesia no mundo de hoje?
 
Marcos Lizardo - Sim, no mês do meu aniversário. Está no prelo, intitulado “Errando Poesia”, contendo 50 poemas arduamente selecionados entre tantos. É o primeiro, porque agora posso dizer que aprendi com as dificuldades desse primeiro e perdi o medo e a vergonha. Foi um trabalho gratificante. O livro traz ilustrações de Júlia Azevedo e audiobook narrado pela cantora e professora de canto Mariana Lizardo. 
Aprendi no trajeto que precisamos hoje de mais leitores do que de escritores. Há muito o que ler e há muitos leitores que precisam ser incentivados e muitos outros conquistados. 
 
BOM DIA – Em tempos de internet, IA e mega velocidade, não acha que as pessoas leem cada vez menos e estão emburrecendo progressivamente? Não é um caminho sem volta?
 
Marcos Lizardo - Os estudantes ainda são a esperança. Precisamos priorizar uma relação mais próxima e mais eficiente entre Cultura e Educação, garantindo o devido espaço da Arte, que sempre perde importância em tempos bicudos. Os artistas têm que assumir essa responsabilidade, com todos os riscos que isso possa trazer. Tudo isso sem deixar de lado os demais apreciadores de uma boa e atraente obra de arte.
Quanto a essa tal IA, não confio em ninguém para escrever um texto que eu possa chamar de meu. Nunca vou colaborar com este tipo de preguiça.
 
BOM DIA – Os algoritmos nos entregam apenas conteúdo que agrada aos nossos sentidos e sacia nossa necessidade de dopamina. Não acha que diminuem os espaços para a arte, que nem sempre é bonitinha, suave ou bem-comportada?
 
Marcos Lizardo - Os algoritmos não tratam esse conteúdo como produto, porque eles não são. O produto somos nós. Cada um de nós é vendido às grandes corporações como produto, para os seus grandes negócios, para o consumo rápido e fácil desse conteúdo. Diminuem mais que nossos espaços para a arte, mas para a reflexão, a decisão, para o discernimento em assuntos que até dominamos. 
E, primeiramente, nem temos claro o que é Arte, por isso não sabemos que uso fazemos dela, como ela pode contribuir para nosso crescimento, em termos gerais. Vivemos num tempo de ampla confusão sobre o que é Arte e o que é Entretenimento, a ponto de sempre confundirmos os dois. 
 
BOM DIA – O poeta anda na contramão. Mesmo em tempos de ataques ao intelectualismo, você ousa lançar um livro de poesia. Qual o nome do livro e quais as principais temáticas dos seus poemas?
 
Marcos Lizardo - Creio que o artista anda na contramão. Arte é tudo o que se torna supérfluo quando os tempos andam difíceis. Ainda mais agora em que muitos dentre nós tem se deixado seduzir por ideias fascistas e autoritárias, acabam vendo todo artista como detentor de uma liberdade que não devia ser legítima, mas sim autorizada, concedida, permitida. Como disse anteriormente, o livro torna-se, por tantos motivos, quase que uma necessidade, um artefato de resistência, uma ferramenta, ou melhor, a arma mais eficiente na luta que devemos travar contra a estupidez que se alastra pelo mundo. O nome do livro é “Errando Poesia”, que aliás é título de um dos poemas, de temáticas que variam muito de acordo com a época em que foram escritos, pois abrangem vários períodos. Tem amor, tem dor, sonhos, ilusões, medos, revoltas, tem até esperanças muita reclamação, humor às vezes, lirismo e filosofia tentando andar de mãos dadas, inquietações, indagações, crenças e descrenças, enfim, tudo como a vida tem, tudo misturado com momentos no caldeirão do tempo.
 
BOM DIA – Qual a previsão do lançamento do seu novo livro?
 
Marcos Lizardo - Fevereiro deste ano. Planejamos para tanto um sarau de lançamento, rodas de conversa, oficinas de leitura e mais conversa com estudantes e, se possível, com colegas escritores. Queremos que a literatura tenha um espaço prestigiado na cultura da cidade. Creio que esses podem ser os primeiros passos, pelo menos de minha parte, na tentativa de colocar mais uma voz na cena poética da cidade e da região.
 
BOM DIA – Além de escritor e poeta, você também participa de alguns coletivos aqui na cidade. Que coletivos são esses?
 
Marcos Lizardo - Bom, o Coletivo Atresliê, que busca sua certificação como Ponto de Cultura, é a parte de artesão, junto com Luciana e Júlia, com uma produção bastante significativa, a qual pretendemos mostrar em futuras exposições. Compõe-se da união de três artesãos que colaboram em tudo em matéria de realização artística. Fazemos parte também da Associação de Artesãos Solidariarte, que representou um impulso muito grande para a nossa introdução na cena cultural da cidade. Integramos também o Coletivo Ponto de Cultura 7Faces há mais tempo do que se imagina, tendo eu entrado ali por afinidade e procurando sarna para se coçar, mas da boa, que faz a gente não parar mais. Além disso, sou representante do artesanato do Conselho Municipal de Turismo de João Monlevade, que busca trazer melhorias para o turismo da cidade.
 
BOM DIA – Você acha que João Monlevade é generosa com os escritores e poetas?
 
Marcos Lizardo - Acho que cidade nenhuma consegue ser se não estabelecer um bom diálogo com os fazedores de cultura. Se penso na cidade como as pessoas que fazem parte dela e que são o público-alvo das ações da cultura, esse público ainda tem que ser cativado de modo a sentir orgulho pela quantidade e qualidade de artistas que a cidade abriga. As leis de incentivo têm proporcionado acesso a recursos suficientes para a realização de alguns projetos literários, como o meu, mas falta ainda uma certa integração dos escritores, um espaço de discussão, um veículo de divulgação de suas obras e ideias, ações e planos. Enfim, a cidade podia ser sim mais atenciosa e a classe artística mais participativa e solidária. 
 
BOM DIA – Deixe uma mensagem para os escritores novos que estão chegando. Vale à pena ser poeta?
 
Marcos Lizardo - Leiam, leiam sempre, leiam muito. O combustível da escrita é a leitura. Leiam o que gostam e o que não gostam, o que acham fácil e prazeroso. Mas leiam também o que imaginam difícil, procurem superar as dificuldades. E, sobretudo, conversem muito sobre livros e leitura, compartilhem os seus escritos, aceitem críticas e enfrente-as no sentido de melhorar. Procure participar de eventos que envolvam leitura e escrita, comprem livros, emprestem, compartilhem.
E fujam dessa ideia atroz de dizer que “esse é o meu jeito” para justificar uma escrita ruim, com erros de ortografia e gramática, sem clareza ou concisão, sem criatividade. A gente escreve para o leitor e este tem que estar fadado a gostar do que escrevemos. 

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