Bom Dia - O Diário do Médio Piracicaba

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30/05/2025 07h56

A MORTE DA VERDADE

Por Marcos Martino

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A MORTE DA VERDADE

Até não muito tempo atrás, nossos pais e nossas instituições nos ensinavam que mentir é feio. Nos catecismos, nas pregações dos pastores, em praticamente todas as religiões, ser verdadeiro e honesto era considerado uma virtude. Onde foi que dobramos a esquina errada? Não sei precisar exatamente onde foi. Sei apenas que não temos mais depuração. Temos apenas relatividade. E todos se arvoram em dizer que têm propriedade sobre a verdade.

Antigamente, o jornalismo nos dava pelo menos uma sensação de honestidade, de um pouco de ética no exercício da profissão. As escolas de jornalismo, ao menos, tentavam formar profissionais sérios e éticos. Como dizia McLuhan, “O MEIO É A MENSAGEM”. Já existia manipulação. Mas havia mais apreço pela verdade, pelo factual.

As religiões já causavam estragos. Toda facção religiosa se arvora em dizer que seu Deus é o único, que suas práticas são as únicas que levam ao Todo-Poderoso. As outras religiões são todas do diabo. Os outros povos, não convertidos, são todos hereges e merecem a morte em nome do Senhor.

Mas o advento das redes sociais precipitou o óbito. Nas mídias tradicionais — como a TV, o rádio, a imprensa escrita — existe regulação. Você não pode sair caluniando, agredindo, inventando coisas e fazendo a cabeça das pessoas com inverdades. A internet, porém, é uma terra sem lei, onde qualquer criança pode ter acesso à pornografia e a receitas de delinquência. Qualquer um pode aprender como construir uma bomba, como hackear telefones, pode fazer o que quiser — sem nenhuma consequência.

Sei que as pessoas, por razões particulares ou de interesse, optam por ser de direita ou de esquerda e, automaticamente, absorvem as “verdades” de suas facções. Já passam a professar suas ideologias e caem no embate das redes, tentando provar que têm razão. Espalham qualquer notícia que puder desancar o outro lado, sem checar os fatos, sem nenhum cuidado com a depuração.

Para as redes sociais, essa é a seiva, a principal matéria-prima que as mantém no topo do mundo: essa dualidade que engaja tanta gente no esforço de provar que está certa, que o outro lado é o inferno.

E tem ainda a má-fé, de gerar notícias fantasiosas e mentirosas para gerar cliques. O que eu recebo de aparições de OVNIs, de invenções absurdas envolvendo Elon Musk, fórmulas milagrosas para curar o câncer... O que mais me irrita são as fake news sobre o meu time, o Cruzeiro. Recebo fakes do Cristiano Ronaldo e do Messi no meu time. Tudo para gerar alguns cliques. Os algoritmos, que deveriam filtrar, nos oferecem dietas de bobagens, de conteúdos falsos — guloseimas digitais para nos entreter e distrair.

E, para completar o coquetel, temos agora a IA chegando para ser a pá de cal da verdade. Porque, convenhamos: a verdade é uma convenção humana, desejável. Sua depuração deveria ser um atestado civilizacional. Mas, para a nova era que vem se configurando — a da inteligência digital absoluta — a verdade será apenas figura de linguagem. Uma aspiração humana, utópica, desprovida de sentido lógico.

Talvez a verdade ainda resista no campo, onde o canto do galo ainda é de verdade, não é digital; onde um sol verdadeiro nos aquece; onde percebemos as sementes crescendo, as flores... Onde nos lembramos que estamos vivos.

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