01/11/2018 14h42
Nem enterro unir? mais essa fam?lia
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Com essa frase tio Nelson resumiu o clima que reinava em casa e no Whatsapp. Pessoas que saíram do grupo da família, deixavam de ser os parentes queridos e eram reduzidos a vagabundos com bandido de estimação.</p>
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Tia Fatinha, tão amada pelos sobrinhos, conhecida por fazer um delicioso estrogonofe de camarão, agora era chamada de tia Fascistinha.</p>
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A depender de qual lado ideológico vinha a ofensa, as sobrinhas e primas eram divididas entre vadias ou ignorantes manipuladas pela igreja. Tio Dudu, sempre visto como homem exemplar e representante dos bons costumes, foi chamado de maconheiro ao divulgar apoio a um dos candidatos. Logo ele, que nem bebia nem fumava.</p>
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As provocações bloqueavam a consciência. Cada um estava em sua trincheira sob o escudo partidário. Ninguém pinçou na memória as lembranças das festas de aniversário, formaturas, nascimentos dos mais novos, dos churrascos aos domingos, de alugarem uma casa na ilha para o réveillon, de terem que dormir em colchonetes devido a lotação da casa em dias de festa, das conversas até tarde, das fugas à noite para pegar mais um pedaço de bolo do casamento da prima ou namorar o vizinho, das gargalhadas ao se verem em fotos antigas e constatarem as mudanças que o tempo trazia aos corpos.</p>
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As eleições varreram as lembranças de família para baixo da urna.</p>
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A desavença abalou a matriarca. Vó Clotinha, em atitude apaziguadora, mandou avisar pelas mídias sociais e de boca em boca, que antes do segundo turno do pleito, todos iriam almoçar juntos para curar as feridas e promover a paz. Temeu que a ruptura dos laços parentais, fosse irremediável após a decisão final das eleições.</p>
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A senhora, mediadora do conflito, preparou tudo. Seu tempo à frente daquela família ainda lhe dava certa autoridade e não era uma eleição que iria destituí-la do seu posto de líder. Fez ligações, delegou tarefas, preparou a casa e espalhou fotos da família nas paredes, estante e prateleiras.</p>
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Restava saber se todos aceitariam passar a tarde juntos, de forma pacífica compartilhando uma refeição. Pensando nisso, mandou o neto imprimir em letras maiúsculas a frase: “Deixe as eleições fora da mesa.” Clotinha havia pensado em tudo, até na disposição das cadeiras e quem as ocuparia.</p>
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Manhã de domingo. Conversas sobre votos e debates estavam proibidas. Casa com cortina nova, flores frescas enfeitando jarros, tapetes limpos e o cheiro da feijoada preenchendo a sala e os corações. Cozinhar é oferecer afeto.</p>
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Com a proibição, ninguém poderia falar de seus candidatos. Os responsáveis por salvar a reunião já estavam devidamente arrumados em cima de uma bela toalha de crochê: aipim e torresmos fritos, arroz, salada vinagrete, farofa, molho lambão, banana da terra a milanesa, couve refogada com alho e cebola, laranja em fatias e a famosa feijoada da tia Sônia.</p>
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Primo Toni ia fazer caipirinhas, batidas e colocar a cerveja para gelar. Tia Lourdes, com seu suco de graviola, ia controlar a ingestão de álcool pelo povo, para a bebida não destravar as línguas.</p>
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Mudos, cada um sentou em seu lugar. Alguém quebrou o silêncio ao elogiar o cheiro da comida. Ainda sentindo o peso dos insultos e da falta de diálogo, muitos permaneceram calados. Clóvis quis orar em agradecimento pela refeição e para acabar com os resquícios de hostilidade, ninguém se opôs.</p>
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Terminada a oração, começaram a fazer os pratos. “Tudo delicioso!” — disse um, “essa salada com pimentão vermelho esta ótima, de todos os pimentões, o vermelho é o melhor!”</p>
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Essa foi a frase que decretou o cancelamento do armistício. Joca sentiu que na verdade, aquilo era uma alfinetada.</p>
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Ânimos exaltados. Vó Clotinha tentando acalmar. Caipirinhas derramadas. Uma prima tirou os objetos cortantes da mesa, com medo da insensatez das pessoas.</p>
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Crianças chorando, feijões amassados no tapete da sala. Gritos e portas batidas. Vó Clotinha, chorosa, só conseguiu murmurar: “é que os pimentões estavam em promoção”.</p>
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<strong><em>Fabíola in NEW ORDER</em></strong></p>