Bom Dia - O Diário do Médio Piracicaba

notícias

03/09/2018 18h11

O Brasil queimou, e n?o tinha ?gua para apagar

Compartilhe
<p> ELIANE BRUM</p> <p> Eu vim ao Rio para um evento no Museu do Amanh&atilde;.</p> <p> O Brasil queimou &ndash; e n&atilde;o tinha &aacute;gua para apagar o fogo.</p> <p> Ent&atilde;o descobri que n&atilde;o tinha mais passado.</p> <p> Diante de mim, o Museu Nacional do Rio queimava.</p> <p> O cr&acirc;nio de Luzia, a &ldquo;primeira brasileira&rdquo;, entre 12.500 e 13 mil anos, queimava. Uma das mais completas cole&ccedil;&otilde;es de pterossauros do mundo queimava. Objetos que sobreviveram &agrave; destrui&ccedil;&atilde;o de Pompeia queimavam. A m&uacute;mia do antigo Egito queimava. Milhares de artefatos dos povos ind&iacute;genas do Brasil queimavam.</p> <p> Vinte milh&otilde;es de mem&oacute;ria de alguma coisa tentando ser um pa&iacute;s queimavam.</p> <p> O Brasil perdeu a possibilidade da met&aacute;fora. Isso j&aacute; sab&iacute;amos. O excesso de realidade nos joga no n&atilde;o tempo. No sem tempo. No fora do tempo.</p> <p> O Museu Nacional em chamas. Um bombeiro esguichando &aacute;gua com uma mangueira um pouco maior do que a que eu tenho na minha casa. O Museu Nacional queimando. Sem &aacute;gua em parte dos hidrantes, depois de quatro horas de inc&ecirc;ndio ainda chegavam caminh&otilde;es-pipa com &aacute;gua pot&aacute;vel. O Museu Nacional queimando. Uma equipe tentava tirar &aacute;gua do lago da Quinta da Boa Vista. O Museu Nacional queimando. A PM impedia as pessoas de avan&ccedil;ar para tentar salvar alguma coisa. O Museu Nacional queimando. Outras pessoas tentavam furtar o celular e a carteira de quem tentava entrar para ajudar ou s&oacute; estava im&oacute;vel diante dos port&otilde;es tentando compreender como viver sem met&aacute;foras.</p> <p> Brasil, &eacute; voc&ecirc;. N&atilde;o posso ser aquele que n&atilde;o &eacute;.</p> <p> O Museu Nacional queimando.</p> <p> O que h&aacute; mais para dizer agora que as palavras j&aacute; n&atilde;o dizem e a realidade se colocou al&eacute;m da interpreta&ccedil;&atilde;o?</p> <p> Diante do Museu Nacional em chamas, de costas para o pal&aacute;cio, de frente para onde deveria estar o povo, Dom Pedro II em est&aacute;tua. Sua fam&iacute;lia tinha tentado inventar um pa&iacute;s e o fundaram sobre corpos humanos. Seu av&ocirc;, Dom Jo&atilde;o VI, criou aquele museu no Pal&aacute;cio de S&atilde;o Crist&oacute;v&atilde;o. Dom Pedro II est&aacute; no centro, circunspecto, um homem feito de pedra, um imperador. Diante da parte esquerda do museu, ind&iacute;genas de diferentes etnias observam as chamas como se mais uma vez fossem eles que estivessem queimando. Est&atilde;o. &Eacute; o maior acervo de l&iacute;nguas ind&iacute;genas da Am&eacute;rica Latina, diz Urutau Guajajara. &Eacute; a nossa mem&oacute;ria que est&atilde;o apagando. &Eacute; o golpe, &eacute; o golpe. Poderiam ter salvo, e n&atilde;o salvaram, ele grita.</p> <p> Nunca salvaram. H&aacute; 500 anos n&atilde;o salvam.</p> <p> As costas de Pedro ferviam.</p> <p> Quando soube que o museu queimava, eu dividi um t&aacute;xi com um jornalista brit&acirc;nico e uma atriz brasileira com uma c&acirc;mera na m&atilde;o. &ldquo;N&atilde;o &eacute; s&oacute; como se o British Museum estivesse queimando, &eacute; como se junto com ele estivesse tamb&eacute;m o Pal&aacute;cio de Buckingham&rdquo;, disse Jonathan Watts. &ldquo;N&atilde;o h&aacute; mais possibilidade de fazer document&aacute;rio&rdquo;, afirmou Gabriela Carneiro da Cunha. &ldquo;A realidade &eacute; Science Fiction.&rdquo;</p> <p> Eu, que vivo com as palavras e das palavras, n&atilde;o consigo dizer. Sem passado, indo para o Museu do Amanh&atilde;, sou convertida em muda. Esvazio de mem&oacute;ria como o Museu Nacional. Chamas dentro de todo ele, uma casca do lado de fora. Sou tamb&eacute;m eu. Uma casca que anda por um pa&iacute;s sem pa&iacute;s. Eu, sem Luzia, uma n&atilde;o mulher em lugar nenhum.</p> <p> A frase ecoa em mim. E ecoa. Fere minhas paredes em carne viva.</p> <p> &ldquo;O Brasil &eacute; um construtor de ru&iacute;nas. O Brasil constr&oacute;i ru&iacute;nas em dimens&otilde;es continentais.&rdquo;</p> <p> A frase reverbera nos corredores vazios do meu corpo. Se a primeira brasileira incendiou-se, que brasileira posso ser eu?</p> <p> O que poderia expressar melhor este momento? A hist&oacute;ria do Brasil queima. A matriz europeia que inventou um pal&aacute;cio e fez dele um museu. Os ind&iacute;genas que choram do lado de fora porque suas l&iacute;nguas se incineram l&aacute; dentro. E eu preciso alcan&ccedil;ar o Museu do Amanh&atilde;. Mas o Brasil j&aacute; n&atilde;o &eacute; o pa&iacute;s do futuro. O Brasil perdeu a possibilidade de imaginar um futuro. O Brasil est&aacute; em chamas.</p> <p> O Museu Nacional sem recursos do Governo federal. Os funcion&aacute;rios do Museu Nacional fazendo vaquinha na Internet para reabrir a sala principal. O Museu Nacional morrendo de abandono. O Museu Nacional sem manuten&ccedil;&atilde;o. O Rio de Janeiro. Flagelado e roubado e arrancado Rio de Janeiro. Entre todos os Brasis, tinha que ser o Rio.</p> <p> Ou&ccedil;o ent&atilde;o um chefe de bombeiros dar uma coletiva diante do Museu Nacional, as labaredas lambem o cen&aacute;rio atr&aacute;s dele. O bombeiro explica para as c&acirc;meras de TV que n&atilde;o tinha &aacute;gua, ele conta dos caminh&otilde;es-pipa. E ele declara: &ldquo;Est&aacute; tudo sob controle&rdquo;.</p> <p> Eu quero gargalhar, me botar louca, queimar junto, ser aquela que ensandece para poder gritar para sempre a &uacute;nica frase l&uacute;cida que agora conhe&ccedil;o: &ldquo;O Museu Nacional est&aacute; queimando! O Museu Nacional est&aacute; queimando!&rdquo;.</p> <p> O Brasil est&aacute; queimando.</p> <p> E o meteorito estava dentro do museu.</p> <p style="text-align: right;"> <strong><em>Fonte: El Pa&iacute;s</em></strong></p> <p> &nbsp;</p> <p> &nbsp;</p> <p> <figure class="foto centro foto_w980" itemprop="image" itemscope="" itemtype="https://schema.org/ImageObject" style="margin: 0px 0px 1.5rem; padding: 0px; border: 0px; font-variant-numeric: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-stretch: inherit; font-size: 17.008px; line-height: inherit; font-family: &quot;Benton Sans&quot;, sans-serif; vertical-align: baseline; box-sizing: border-box; position: relative; clear: both; color: rgb(68, 68, 68);"><figcaption class="foto-pie" itemprop="caption" style="margin: 0px; padding: 0.563rem 0.313rem 0.625rem; border-width: 0px 0px 0.063rem; border-top-style: initial; border-right-style: initial; border-bottom-style: dotted; border-left-style: initial; border-top-color: initial; border-right-color: initial; border-bottom-color: rgb(208, 208, 208); border-left-color: initial; border-image: initial; font-style: inherit; font-variant: inherit; font-weight: inherit; font-stretch: inherit; font-size: 0.764em; line-height: 14.0336px; font-family: inherit; vertical-align: baseline; box-sizing: border-box; color: rgb(100, 100, 100); text-align: right;"> <p> <em><span class="foto-texto" style="margin: 0px; padding: 0px; border: 0px; font: inherit; vertical-align: baseline; box-sizing: border-box;">Foto: Vista geral do Museu Nacional, no Rio, em chamas.</span>&nbsp;<span class="foto-firma" style="margin: 0px; padding: 0px; border: 0px; font-style: inherit; font-variant: inherit; font-stretch: inherit; font-size: 0.846em; line-height: inherit; font-family: inherit; vertical-align: baseline; box-sizing: border-box; color: rgb(17, 17, 17); text-transform: uppercase;"><span class="foto-autor" itemprop="author" style="margin: 0px; padding: 0px; border: 0px; font: inherit; vertical-align: baseline; box-sizing: border-box;">MARCELO SAY&Atilde;O</span>&nbsp;<span class="foto-agencia" itemprop="copyrightHolder" style="margin: 0px; padding: 0px; border: 0px; font: inherit; vertical-align: baseline; box-sizing: border-box;">EFE</span></span></em></p> </figcaption> <div> &nbsp;</div> </figure></p> <p> &nbsp;</p>

Bom Dia Online- Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.

by Mediaplus