Bom Dia - O Diário do Médio Piracicaba

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10/11/2016 20h35

Os Sinos - A rela??o sadomasoquista do brasileiro com seus pol?ticos

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<p> <strong><em>Por Pablo Antunes</em></strong></p> <p> Em uma democracia plena, o poder (krat&iacute;a, em grego) &eacute; exercido com o intuito de beneficiar o povo (d&ecirc;mos, tamb&eacute;m em grego). Como n&atilde;o h&aacute; um sistema perfeito, as leis precisam ser aperfei&ccedil;oadas continuamente para garantir os direitos dos cidad&atilde;os, bem como para que haja justi&ccedil;a dentro da sociedade.</p> <p> Em uma oligarquia, na qual o governo &eacute; exercido por um grupo ou por fam&iacute;lias, mesmo que haja uma parcela significativa da popula&ccedil;&atilde;o a lhe dar respaldo, haver&aacute; o predom&iacute;nio dos interesses que garantem a continuidade no poder &agrave;queles que o det&eacute;m.</p> <p> Desde a elei&ccedil;&atilde;o indireta de Tancredo Neves, em 1985, o Brasil vive a sua vers&atilde;o de democracia. A Constitui&ccedil;&atilde;o Federal de 1988 e suas leis complementares e subordinadas t&ecirc;m sofrido constantes altera&ccedil;&otilde;es, o que estaria de pleno acordo com o exerc&iacute;cio parlamentar democr&aacute;tico; contudo, a quem essas modifica&ccedil;&otilde;es beneficiam?</p> <p> Leis criadas ou reformuladas para favorecer um grupo pol&iacute;tico ou econ&ocirc;mico est&atilde;o em desacordo com os interesses do povo. O mais recente exemplo &eacute; a Lei 13.332/2016, sancionada na sexta-feira, 2 de setembro, pelo presidente da C&acirc;mara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) no exerc&iacute;cio da Presid&ecirc;ncia da Rep&uacute;blica. O texto versa a respeito de abrandar as regras para abertura de cr&eacute;ditos suplementares, ou seja, autoriza um refor&ccedil;o a uma despesa prevista na lei or&ccedil;ament&aacute;ria, sem que haja a necessidade de autoriza&ccedil;&atilde;o do Congresso Nacional. Na pr&aacute;tica, torna legal o que foi considerado crime pela maioria dos senadores no julgamento pol&iacute;tico que causou o impedimento do mandato de Dilma Rousseff em 31 de agosto.</p> <p> A abertura de cr&eacute;ditos suplementares tornou-se conhecida da popula&ccedil;&atilde;o com o midi&aacute;tico nome de &ldquo;pedalada fiscal&rdquo;. Aquilo que serviu de base para o argumento para interromper o mandato presidencial de Dilma Rousseff passa a ser tratado com mais toler&acirc;ncia. Levianamente, em discursos nas casas legislativas, muitos deputados federais e senadores acusaram afervoradamente a presidente de roubar os cofres da na&ccedil;&atilde;o ao utilizar os cr&eacute;ditos suplementares para gerir o or&ccedil;amento, pois, agora, os mesmos indignados pr&oacute;-impedimento s&atilde;o coniventes com a pr&aacute;tica que antes condenavam.</p> <p> Verdade seja dita que o projeto que gerou a Lei 13.332/2016 foi elaborado ainda na gest&atilde;o Dilma Rousseff. O intuito era aumentar o limite de abertura de cr&eacute;ditos suplementares de 10% para 20%; contudo, nem a presidente de ent&atilde;o, nem renomados professores universit&aacute;rios de direito tribut&aacute;rio consideram a pr&aacute;tica criminosa. A hipocrisia parlamentar est&aacute; no favorecimento para o governo de Michel Temer de um artif&iacute;cio at&eacute; ent&atilde;o tido como ilegal pelos congressistas que o beneficiaram.</p> <p> Ora, os mesmos senadores convictos de que a abertura de cr&eacute;ditos suplementares &eacute; um ato criminoso, n&atilde;o podem &ndash; dias depois de tirar o mandato de uma presidente eleita democraticamente sob a alega&ccedil;&atilde;o de ter cometido crime contra a Constitui&ccedil;&atilde;o Federal &ndash; modificar as regras do jogo para beneficiarem o governante com o qual articularam a derrubada de sua antecedente.</p> <p> A isso se d&aacute; um nome: hipocrisia. Qualquer pessoa que condenasse publicamente a a&ccedil;&atilde;o de um desafeto, mas que fosse conivente com a mesma pr&aacute;tica de um aliado seria considerado um hip&oacute;crita. N&atilde;o pode ser diferente com os excelent&iacute;ssimos senadores federais. Pois, a hipocrisia &eacute; uma das ferramentas de manipula&ccedil;&atilde;o usadas em uma oligarquia, mesmo quando ela tenta se travestir de uma democracia fajuta com direito &agrave; complac&ecirc;ncia do Supremo Tribunal Federal.</p> <p> <strong>O ciclo de euforia e dor do eleitorado</strong></p> <p> O investidor norte-americano James Dale Davidson &eacute; autor de uma das melhores defini&ccedil;&otilde;es para o regime democr&aacute;tico. Diz ele: &ldquo;Democracia &eacute; a forma de governo em que todos t&ecirc;m o que a maioria merece&rdquo;. O brasileiro tem uma estranha rela&ccedil;&atilde;o sadomasoquista com a classe pol&iacute;tica, pois elege os seus algozes a partir de uma escolha de quem lhe causar&aacute; menos mal. Ap&oacute;s semanas de discuss&otilde;es acaloradas, de defesas ferrenhas de projetos eleitorais que nunca s&atilde;o integralmente cumpridos, de trocas de acusa&ccedil;&otilde;es de quem &eacute; mais ou menos corrupto, h&aacute; um breve per&iacute;odo de celebra&ccedil;&atilde;o para a vit&oacute;ria dos eleitos e de espezinhamento dos derrotados; no entanto, logo se percebe que as verbas prometidas em campanha precisam ser revertidas para outra finalidade, que as &aacute;reas mais carentes n&atilde;o poder&atilde;o ser melhoradas conforme o esperado &ndash; sem entrar em maiores detalhes a respeito dos desvios de finalidades e de verbas p&uacute;blicas por parte de servidores que deveriam trabalhar em prol da popula&ccedil;&atilde;o. Governantes de direita, de centro e de esquerda t&ecirc;m repetido essa hist&oacute;ria nos munic&iacute;pios, nos estados, no Distrito Federal e na presid&ecirc;ncia da rep&uacute;blica, completando esse ciclo de euforia e dor que acompanha o eleitorado brasileiro.</p> <p> Desestimulado e descrente da a&ccedil;&atilde;o dos seus representantes nos poderes executivo e legislativo, nem a obrigatoriedade do voto tem surtido tanto efeito na hora de levar o eleitorado ao pleito. No segundo turno das elei&ccedil;&otilde;es presidenciais de 2014, por exemplo, 21,10% dos eleitores n&atilde;o compareceram &agrave;s sess&otilde;es eleitorais. A esse elevado n&uacute;mero ainda se somam os 6,34% de cidad&atilde;os que votaram em branco ou que anularam o voto. No montante total, 27,7% dos eleitores brasileiros se omitiram da importante escolha de quem governaria o Brasil at&eacute; 2018.</p> <p> O tempo verbal est&aacute; correto: governaria. O fen&ocirc;meno perverso da absten&ccedil;&atilde;o no sistema eleitoral proporcional para o Legislativo &eacute; que os candidatos e os partidos precisam de menos votos para atingir o quociente eleitoral, e, com isso, eleger os ocupantes das cadeiras. O resultado &eacute; que temos um Congresso Nacional bastante conservador, com diversos deputados e senadores envolvidos em den&uacute;ncias de corrup&ccedil;&atilde;o, que cria e modifica leis com a inten&ccedil;&atilde;o de se proteger e se garantir no poder em vez de atuar para o aprimoramento da democracia em defesa dos interesses do povo.</p> <p> Nessa estranha rela&ccedil;&atilde;o sadomasoquista do brasileiro com os seus pol&iacute;ticos, os discursos odientos ganham tons mais exasperados e obtusos, enquanto o eleitorado passa a se assemelhar com o que h&aacute; de pior em qualquer tipo de fanatismo. Se uma grande parcela da popula&ccedil;&atilde;o brasileira insistir em seguir uma dicotomia limitadora e n&atilde;o esclarecida que op&otilde;e esquerda e direita, corremos o s&eacute;rio risco de vermos um partido sem dire&ccedil;&atilde;o nenhuma, que se alia a qualquer um que estiver no poder para dele se beneficiar, que age com oportunismo e deslealdade a comandar o pa&iacute;s por mais alguns anos. Essa &eacute; a receita que alguns querem seguir para sustentar uma oligarquia desonesta que se disfar&ccedil;a em uma democracia fajuta em tempos em que &eacute; t&atilde;o importante manter as apar&ecirc;ncias.</p> <p align="right"> <em>Pablo Antunes &eacute; psic&oacute;logo e escritor. Publica o blog LiteromaQuia ( https://literomaquia.blogspot.com ).</em></p>

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