Bom Dia - O Diário do Médio Piracicaba

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01/12/2015 15h02

A hist?ria do pescador que perdeu a vida para a lama

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<p> De um lado, o dinheiro emergencial pago a moradores de distritos cobertos pela lama em Mariana. De outro, o decreto presidencial que libera o uso de fundos do FGTS para trabalhadores formais afetados. No v&aacute;cuo entre eles, est&atilde;o pescadores, quilombolas, &iacute;ndios e pequenos agricultores que perderam suas fontes de sustento - e n&atilde;o recebem qualquer apoio financeiro desde ent&atilde;o.</p> <p> &Eacute; o caso do pescador Benilde Madeira, cuja foto em preto e branco com os olhos cheios d&#39;&aacute;gua, vidrados, &agrave;s margens do rio Doce, foi compartilhada por milhares de brasileiros na semana passada.</p> <p> Ap&oacute;s a repercuss&atilde;o da imagem, a BBC Brasil localizou o pescador, que vive em Aimor&eacute;s (MG), com o filho e a m&atilde;e de 81 anos. Com voz fraca e melanc&oacute;lica, ele comenta os impactos da trag&eacute;dia e fala sobre dor, impot&ecirc;ncia e revolta.</p> <p> &quot;A primeira coisa que me veio quando vi aqueles peixes morrendo foi que minha vida acabou e meu rio morreu&quot;, disse em entrevista por telefone. &quot;O culpado era uma grande mineradora, e por mais que eu pudesse lutar contra ela, n&atilde;o tem como (lutar) com um gigante desses. Mesmo que eu quisesse lutar, seria in&uacute;til, eu perderia essa batalha.&quot;</p> <p> O pescador disse ter ido recolher peixes mortos porque achava que ningu&eacute;m acreditaria nele se contasse que a vida no rio estava acabando</p> <p> Sem trabalho ou renda, Madeira diz que tem buscado &quot;bicos&quot;, como a limpeza de terrenos baldios. &quot;Me sinto como um cachorrinho que caiu da mudan&ccedil;a. Perdido&quot;, diz. &quot;N&atilde;o sei como vou pagar minhas contas, n&atilde;o sei como vou viver, eu n&atilde;o sei, eu n&atilde;o sei, eu simplesmente n&atilde;o sei.&quot;</p> <p> A BBC Brasil procurou a Samarco, a Casa Civil, a secretaria da Pesca e o Minist&eacute;rio P&uacute;blico de Minas Gerais em busca de respostas sobre a situa&ccedil;&atilde;o de Benilde e outros que n&atilde;o tiveram as casas soterradas pela lama, nem t&ecirc;m recursos no FGTS, por falta de trabalho formal, mas que perderam sua fonte de renda ap&oacute;s a &quot;morte&quot; do rio Doce.</p> <p> As respostas n&atilde;o s&atilde;o animadoras: nenhum dos &oacute;rg&atilde;os entrevistados tem um plano com solu&ccedil;&otilde;es imediatas para estes afetados.</p> <p> <strong>&#39;Ele &eacute; apenas um exemplo&#39;</strong></p> <p> A Samarco, dona da barragem de rejeitos de minera&ccedil;&atilde;o que se rompeu h&aacute; quase um m&ecirc;s, disse que &quot;est&aacute; profundamente consternada por todos os impactos causados por esta situa&ccedil;&atilde;o t&atilde;o triste&quot; e que &quot;Benilde &eacute; apenas um exemplo de tantas pessoas que foram impactadas de forma t&atilde;o inesperada&quot;.</p> <p> Sem informar prazos ou valores, a empresa diz estar fazendo um &quot;cadastramento de fam&iacute;lias diretamente impactadas, como pequenos agricultores, pescadores e areieiros&quot; para &quot;subsidiar temporariamente as fam&iacute;lias que tiveram seu recursos de subsist&ecirc;ncia afetados&quot;.</p> <p> Em nota enviada &agrave; reportagem, a mineradora controlada pela Vale e pela BHP Billiton diz que &quot;diariamente, mais de 700 pessoas de v&aacute;rias &aacute;reas social e ambiental da empresa atuam nos munic&iacute;pios atingidos, oferecendo &agrave;s pessoas atingidas algum conforto, seja ele de forma material ou psicol&oacute;gica&quot;</p> <p> J&aacute; o minist&eacute;rio da Agricultura, respons&aacute;vel pela secretaria da Pesca (que perdeu status de minist&eacute;rio), pediu desculpas e informou que est&aacute; com &quot;a equipe desfalcada&quot; e n&atilde;o conseguiu &quot;ningu&eacute;m para responder &agrave; demanda&quot;.</p> <p> A pasta conduzida pela ministra Katia Abreu (PMDB-TO) foi procurada porque suspendeu, em outubro, o pagamento do seguro defeso, uma esp&eacute;cie de &quot;seguro desemprego&quot; que garante um sal&aacute;rio m&iacute;nimo mensal a pescadores durante o per&iacute;odo de reprodu&ccedil;&atilde;o dos peixes.</p> <p> O corte fez parte do ajuste fiscal anunciado pelo governo para reequilibrar as contas p&uacute;blicas.</p> <p> <strong>Decreto</strong></p> <p> H&aacute; duas semanas, a presidente Dilma Rousseff assinou o Decreto 8.572/2015, que &quot;libera o saque do FGTS &agrave;s v&iacute;timas do rompimento de barragens em Mariana (MG)&quot;. Segundo o governo, &quot;o saque &eacute; opcional e limitado a R$ 6.220 do saldo do trabalhador no fundo&quot;.</p> <p> Mas o que acontece com quem n&atilde;o tem fundos do FGTS?</p> <p> A BBC Brasil fez a pergunta &agrave; Casa Civil, que disse que &quot;o governo est&aacute; estudando como encaminhar a reposi&ccedil;&atilde;o de preju&iacute;zos econ&ocirc;micos e sociais aos que perderam tudo e aos que n&atilde;o tem como sobreviver em consequ&ecirc;ncia da lama&quot;.</p> <p> A pasta, que n&atilde;o quis comentar o caso espec&iacute;fico do pescador Benilde, promete &quot;fechar uma posi&ccedil;&atilde;o esta semana sobre o impacto do desastre sobre os preju&iacute;zos econ&ocirc;micos e sociais &agrave; popula&ccedil;&atilde;o&quot;.</p> <p> A Casa Civil n&atilde;o sabe quantas pessoas foram afetadas direta ou indiretamente pela lama e diz que &quot;caber&aacute; &agrave;s prefeituras das localidades fazer o levantamento e o cadastramento das pessoas necessitadas&quot;.</p> <p> J&aacute; o procurador do Trabalho Geraldo Emediato de Souza, do Minist&eacute;rio P&uacute;blico do Trabalho de Minas Gerais, disse que se reunir&aacute; na pr&oacute;xima sexta-feira com representantes da Samarco e da Vale para definir o valor da ajuda financeira destinada aos ribeirinhos - e o prazo para pagamento.</p> <p> Leia tamb&eacute;m: Como se chegou &agrave; pior recess&atilde;o desde os anos 90?</p> <p> &quot;Estamos falando de 5 de novembro. O valor que for definido ser&aacute; retroativo at&eacute; esta data&quot;, diz Souza.</p> <p> <strong>&#39;Abandonar minha casa&#39;</strong></p> <p> Hoje, o pescador Benilde lembra com tristeza do rio onde aprendeu a pescar com o pai, ainda crian&ccedil;a.</p> <p> &quot;(Pescar) era meu lazer, era a minha vida, n&eacute;? Conviver ali na natureza, comer peixe que voc&ecirc; sabe que n&atilde;o tem toxina... Por menos que eu retirasse do rio, (a pesca) era minha sobreviv&ecirc;ncia, minha autonomia.&quot;</p> <p> &quot;Eu chorei naquele momento de tristeza, de revolta&quot;, diz. &quot;Agora n&atilde;o tenho como sobreviver no meu pr&oacute;prio pa&iacute;s, no meu territ&oacute;rio, nem como tomar um banho sequer no meu rio.&quot;</p> <p> O futuro &eacute; incerto. &quot;Preciso abandonar minha casa, meu canto e procurar outro rio para poder trabalhar&quot;, diz. &quot;Acho que o rio n&atilde;o vai voltar como era. Eu perdi as esperan&ccedil;as aqui. E chorei por causa disso. Mas eu espero um dia me reerguer&quot;.</p> <p align="right"> <em>Da BBC Brasil em S&atilde;o Paulo</em></p> <p align="right"> <em>*Colaborou Thiago Guimar&atilde;es, da BBC Brasil em Londres</em></p>

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