27/01/2015 07h47
A vida sem jornal
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“Se os jornais acabarem – como dizem – onde vou embrulhar os meus abacates para amadurecer?”</p>
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Sábado passado, trouxe na sacola da Quitanda, três abacates bem verdes. A ideia da minha mulher era fazer uma guacamole mais pro final da semana. Como estavam duros, bem duros, resolvi embrulhá-los em folhas de jornal, como fazia minha mãe quando as bananas que comprava do bananeiro que passava na porta da minha casa, ainda estavam verdes.</p>
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Fui na sala, peguei algumas páginas já lidas da Folha de S.Paulo e, cuidadosamente, embrulhei um a um, os três abacates. Saquei o iPhone do Bolso e cliquei uma foto, uma composição com outras frutas ao fundo.</p>
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Resolvi postar no Face, fazendo a seguinte pergunta: “Se os jornais acabarem – como dizem – onde vou embrulhar os meus abacates para amadurecer?”</p>
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Era apenas uma brincadeira.</p>
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Em poucos minutos, oitenta e um amigos tinham curtido e nove comentado. Quase todos eles concordando com o fim dos jornais, apenas uma lamentava. Fiquei um pouco assustado, eu que ainda abro a porta da minha casa todas as manhãs e pego, em cima do capacho, o meu exemplar de jornal de papel.</p>
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Quando éramos pequenos, o meu pai infernizava os cinco filhos dizendo que todos nós precisávamos ler jornal. “Uma pessoa bem informada, vale por dez”, dizia ele. Todos os dias, ele nos aconselhava a ler aquelas notícias todas no Estado de Minas, que ainda era em preto e branco.</p>
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Era o Jânio renunciando, os comunistas dividindo Berlim com um muro, os cosmonautas soviéticos indo pro espaço, o Vietnã já em clima de guerra e a bossa-nova sendo aplaudida de pé no Carnegie Hall de Nova York.</p>
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Era tempo de John Kennedy, Winston Churchill, Ernesto Che Guevara, Martin Luther King, Pelé, Garrincha, Didi, Rudolf Nureyev e Bob Dylan cantando Blowin’ In The Wind.</p>
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Foi graças à insistência do meu pai que acostumamos a ler jornal durante toda a vida. Naqueles anos, sem computador, ninguém falava que os jornais poderiam morrer um dia. Começaram a falar de uns anos pra cá, quando muita gente passou a ler as notícias na Internet e cada vez menos, no jornal de papel. Aquele jornal que, quando eu era criança, saia tinta nas mãos. O meu pai brincava que o Notícias Populares era diferente, saia sangue.</p>
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Um pouco angustiado com os comentários no Face, resolvi perguntar inbox para algumas pessoas, porque elas não estavam mais lendo jornal. Algumas respostas:</p>
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Não leio mais jornal porque não tem nada de novo.</p>
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Os jornais só mentem.</p>
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Só compro a Folha domingo pra ler o Antônio Prata.</p>
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Os jornais começaram a acabar quando proibiram os feirantes de embrulhar o peixe neles.</p>
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Eu só costumo ler o horóscopo do Estadão.</p>
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Não tenho mais tempo nem saco para ler jornal.</p>
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Já viu como o Globo está reacionário?</p>
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Ler jornal pra quê? Pra se aborrecer?</p>
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Os jornais viraram folhetos tucanos.</p>
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Deixei de ler O Globo para não me irritar com o Rodrigo Constantino.</p>
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Meu pai assinava o Estadão. Agora que ele deixou de assinar, parei de ler jornal.</p>
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Só leio jornal gringo.</p>
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Ainda compro o Lance, de vez em quando.</p>
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Gostava do Jornal do Brasil. Acabou, parei de ler.</p>
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Não preciso mais de jornal para me informar.</p>
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Parei de ler porque só me irritava.</p>
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Só compro jornal por causa das palavras cruzadas, que minha vó gosta. Se parar de comprar, ela me mata.</p>
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Um, em tom de brincadeira, me respondeu o seguinte:</p>
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Sem jornal, como vou fazer para embrulhar os meus abacates verdes?</p>
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<em>Alberto Villas</em></p>