27/05/2014 08h24
Lusco Fusco - Oito e oitenta
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O Brasil está histérico. Estamos descompensados, ou melhor, parte de nós. Confesso que não conheço a fundo a opinião do Brasil invisível, aquele que ainda encontra pouco espaço sob a sombra do desenvolvimento. Não vou seguir os sabichões e me sentar no lugar-comum. Convivo mais de perto com um largo círculo da classe média que vislumbra o abismo e dessa parcela falo com mais propriedade. Óbvio, o referido círculo não emite notas uníssonas, mas no geral o sentimento é de derrota. Creio que a turma exposta ao sol pense um pouco diferente, mas isso é apenas impressão sem comprovação.</p>
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A primeira condição para sobrevoar o Brasil e dele reter uma visão minimamente condizente com a realidade é esquecer a rusga entre PT e PSDB. Há muito os aguerridos e chatíssimos defensores de ambos os lados abdicaram do diálogo e partiram para as mais pueris acusações. Esse maniqueísmo, o bem versus o mal, entope meu saco. Além disso, faz brotar na boca de desavisados a famosa sentença “não gosto e não me importo com política”. Política é oxigênio e você a respira, por mais que pense o contrário. Portanto, é melhor se preocupar com a qualidade desse ar.</p>
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O Brasil de hoje está consideravelmente melhor que há 20, 30 anos. Pergunte a um comerciante ou varejista. O miraculoso cartão de plástico representou a encarnação do crédito nas mãos dos brasileiros. E crédito, antes mais escasso que mulher bonita em prédio em construção, representa consumo e desemboca em produção e em geração de emprego. É uma equação simples e transparente. Nesse momento, alguns enviesados surgem do fundo da ignorância e apontam um ou dois casos de fracasso para tentar desmontar a realidade. Faz parte do jogo.</p>
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Cabe a ressalva de que o comércio é sensível, há momentos de dificuldades, mas no frigir dos ovos as portas de pequenos cômodos abrem sem parar, seja em BH, em João Monlevade ou em Teresina. O varejo cresce continuamente desde 2003, alguns anos mais, outros menos, mas sempre com tendência de alta.</p>
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Aconselho também que se pergunte aos assalariados, desses que ganham entre um e três soldos, se a coisa piorou. É batata: entre 2002 e 2014 os trabalhadores surfaram em um aumento real de 75% no ordenado mínimo. Engorda considerável. Tem quem ache ruim, principalmente aqueles acostumados a pagar uma miséria de salário para domésticas e trabalhadores braçais, além de várias outras funções menos valorizadas. Para eles, “a coisa ficou insustentável”. Insustentável mesmo era trabalhar como um condenado e no final do mês passar aperto para colocar na mesa o mais ordinário arroz com feijão.</p>
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Não vou entrar na questão dos antigos esfomeados que hoje, graças ao Bolsa Família, conseguem garantir o mínimo de calorias diárias. Discutir a eficácia do programa é chover no molhado. O problema é que, muitas vezes, o debate baseado no conhecimento dê lugar a frases feitas preconceituosas e totalmente idiotas. Isso ocorre também com o Mais Médicos.</p>
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Tudo é maravilha? Longe disso. Primeiro, o sentimento de loteamento pornográfico do poder é amplo e ancorado na percepção diária. Tem muita safadeza rolando. E apesar de não acreditar em santos em qualquer espectro ideológico, não aceito o famoso argumento “mas os outros também roubam”. Não interessa. Cumpra com o seu dever sem se importar com as ações alheias. O erro do outro não exime ninguém de cumprir com as obrigações exigidas pela democracia, pela legislação, pela moral, pela ética. O atual governo pariu muita gente que se acostumou a mamar na teta trilionária do Estado brasileiro. Ele inventou esse tumor? Não. No entanto, não tomou medidas sérias para extirpá-lo.</p>
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Também há um sentimento de falta de comando no país. Parece que o governo Dilma age mais por impulso do que por planejamento. Dá mostras de ser uma administração reativa, movendo-se aos botes quando provocado. Concede estímulos pontuais a setores produtivos que detêm maior poder de influência, como o automotivo, mas negligencia a formulação de políticas industriais amplas. Age ao sabor do vento no que se refere ao comércio exterior. Vacila na consolidação de novos parceiros. Investe de maneira insuficiente em inovação. Não consegue fazer crescer a competitividade do país. Apesar dos avanços na infraestrutura, estamos longe do aceitável, caminhamos a passos preguiçosos.</p>
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Assim como no caso do Bolsa Família e Mais Médicos, é enxugar gelo falar da lástima da educação e saúde. Todos sabemos como nossas crianças estão saindo da escola. Todos assistimos, dia após dia, a descalabros ocorridos nos corredores dos hospitais. Em 12 anos, essas duas áreas continuaram a ser castigadas, como de costume.</p>
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Sem novidades até aqui. Apenas mostrei que é possível fazer uma análise mais racional do Brasil. Posso estar errado nos argumentos, mas não na intenção de buscar um olhar equilibrado. Não estamos no céu, muito menos no inferno. Somos um país como muitos, que avançou e que ainda enfrenta fantasmas, alguns deles centenários. Somos oito e oitenta. Nosso dever como cidadãos é encontrar um caminho lúcido de desenvolvimento.</p>
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Não somos um desastre. Não acredite nessa baboseira. Você e eu vivemos em um lugar gostoso e bastante admirado pela “gringa”, independente do governo da vez. Sigamos em frente.</p>