02/04/2014 09h59
Imagem da padroeira de Minas ser? restaurada
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Numa operação cuidadosa, com acompanhamento técnico e emocionante, a imagem da padroeira de Minas, Nossa Senhora da Piedade, foi retirada ontem do altar da ermida (pequena igreja) do século 18, no alto da Serra da Piedade, em Caeté, na Grande BH. Até outubro, quando terminar a restauração do templo dedicado a ela, a escultura de madeira atribuída a Antonio Francisco Lisboa (1738-1814), o Aleijadinho, cujo bicentenário de morte é lembrado este ano, ficará na Casa dos Peregrinos, nas proximidades, e também receberá o tratamento merecido para voltar com toda sua beleza ao ponto de origem. “O trabalho vai contemplar a cobertura da ermida, então foi necessário esse procedimento para garantir a integridade da peça”, explicou o reitor do Santuário Nossa Senhora da Piedade, padre Fernando César do Nascimento.</p>
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A retirada da imagem foi precedida da montagem de dois andaimes –um ligado ao camarim, onde a escultura se encontra há mais de 200 anos, e outro mais baixo, perto do altar. Eram 12h30, quando quatro funcionários do santuário seguraram a peça de 1,25 metro de altura por 1 metro de largura e cerca de 100kg e a puseram na primeira estrutura, tudo sob os olhos atentos do reitor, dos restauradores Ramon Vieira, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e Thiago Botelho, do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), instituições responsáveis pelo tombamento desse patrimônio cultural, espiritual, paisagístico e natural, e da especialista Carla Castro Silva, que vai, pela segunda vez, restaurar a imagem. Na sequência, a relíquia foi colocada sobre o andor, que estava a postos no segundo andaime e seguiu para a Casa dos Peregrinos.</p>
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Para garantir segurança máxima, a equipe de técnicos, operários e religiosos passou pela porta lateral da capela, abaixando o andor, e depois atravessou a praça na forma de procissão. “Não é todo dia que a gente pode chegar assim tão perto da nossa protetora e mãe”, observou com alegria a freira Débora Miguel, ao lado de Rosemary Barbosa de Lucena e Jéssica Luana de Souza, as três da congregação das Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade e residentes no alto da serra. Com fervor e tocando as mãos da Virgem e Cristo, puxaram o coro sob o céu cinzento: “Dai-nos a bênção, mãe de bondade, Nossa Senhora da Piedade…”</p>
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A obra de recuperação da ermida e entorno, iniciada em 10 de fevereiro e com previsão de término em 10 de outubro, é fruto da parceria do governo estadual e Arquidiocese de BH, demandando recursos de R$ 2 milhões. De manhã bem cedo, o arcebispo metropolitano, dom Walmor Oliveira de Azevedo, esteve na ermida e ressaltou a importância da preservação do santuário, tanto pela história e cultura como pela qualificação de um instrumento de evangelização. “Temos certeza de que o trabalho feito vai conservá-la por mais 100 anos”, destacou. Padre Fernando contou que se trata de grande intervenção feita no templo que ficará fechado até a conclusão dos serviços. As missas foram transferidas para a Cripta de São José (de segunda a sexta-feira, às 15h) e Igreja Nova das Romarias (sábados, às 11h e 16h; domingos, às 9h, 11h, 14h e 16h; e feriados, às 11h e 15h).</p>
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Em quase 250 anos – a imagem data de 1763 –, esta é a terceira vez que Nossa Senhora da Piedade deixa o seu altar. Para restauração, será a segunda, já que na década de 1980 chegou à capital para o trabalho no ateliê do Iepha, época em que o órgão estadual fez a primeira obra relevante de recuperação da ermida. Segundo o reitor, os serviços estarão prontos para o encerramento do jubileu da padroeira em 12 de outubro. “No ano passado, houve cerca de 200 mil visitas ao conjunto arquitetônico e alto da serra. Trata-se de um lugar ao qual o peregrino vem para contemplação do sagrado, como um filho invoca a intercessão da mãe”.</p>
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<strong>Acessibilidade</strong></p>
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A arquiteta da Arquidiocese de Belo Horizonte, Daniela Duarte de Freitas, explicou que as condições climáticas, principalmente umidade, causam problemas à construção, comprometendo piso, paredes, parte elétrica etc..</p>
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O projeto de restauração completa inclui, entre outros, 100% da cobertura, iluminação interna e externa, sistema hidráulico, prevenção e combate a incêndio. Daniela destaca a construção de uma rampa, considerado um dos pontos de relevância da obra a fim de beneficiar idosos e portadores de necessidades especiais. Nas missas e demais celebrações, os fiéis vão ouvir o som de oito sinos, divididos em dois carrilhões e que substituirão os dois existentes nas torres.</p>
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Em 1998, Carla Castro Silva, do Atelier de Restauro, passou seis meses no alto da serra, dentro da ermida, recuperando a imagem de Nossa Senhora da Piedade. Ontem, ela viu o local que vai trabalhar, um espaço já preparado com um tablado na Casa dos Peregrinos, ao lado do refeitório. O serviço desta vez será basicamente de limpeza. “Há muito pouco desprendimento de pintura, embora tenhamos verificado alterações no rosto certamente devido à incidência de luz”, observou a restauradora. Qualquer modificação na construção, no entanto, terá que ser estudada e aprovada pelos órgãos do patrimônio.</p>
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O restauro da imagem e do altar-mor será custeado pela arquidiocese, que buscará os recursos entre fiéis e amigos do santuário. Para o coordenador do Museu de Arte Sacra da Arquidiocese de BH, padre José Geraldo Sobreira, o restauro da imagem fortalece a identidade, história e fé do povo mineiro. “Nós temos uma alma barroca”, afirmou enquanto observava toda a movimentação.</p>
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<strong>Fé, política e muitas outras histórias</strong></p>
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A proclamação de Nossa Senhora da Piedade como protetora de Minas Gerais ocorreu em 31 de julho de 1960, fato que motivou grande festa na Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul de BH. A oficialização foi feita pelo papa João XXIII (1881-1963), atendendo a pedido dos bispos mineiros, entre eles o então arcebispo metropolitano de BH, dom Antônio dos Santos Cabral (1884-1967), e do arcebispo coadjutor e administrador apostólico, dom João Resende Costa (1910-2007), bem como do governador do estado, José Francisco Bias Fortes (1891-1971). Nesse processo, destaca-se também o trabalho de dom Carlos Carmello de Vasconcelos Motta (1880-1982), mais conhecido como Cardeal Motta e que hoje batiza a praça em frente à ermida. Com altitude de 1740 metros, a Serra da Piedade está repleta de histórias relevantes. Foi lá, por exemplo, que o ex-presidente Tancredo Neves (1910-1985) deu início à campanha de redemocratização do país, em 1984 (foto). Em dias muito claros, é possível vislumbrar a Serra do Caraça, o espelho d’água de Lagoa Santa, toda a cidade de Caeté, com o pontilhão ferroviário, e outros municípios da Grande BH. O ponto principal, sem dúvida, é a ermida, chamada de “magnífica arquitetura divina”, por dom João de Resende Costa. A fama do lugar teria começado entre 1765 e 1767, conforme a tradição oral, com a aparição de Nossa Senhora, com o Menino Jesus nos braços, a uma menina, muda de nascimento, cuja família vivia na comunidade de Penha, a seis quilômetros da serra. Nesse momento, a menina teria recuperado a fala. Mais tarde, em 1773, o templo seria construído pelo ermitão português Antônio da Silva, o Bracarena.</p>