Bom Dia - O Diário do Médio Piracicaba

notícias

31/03/2014 16h16

Eu, estuprador*

Compartilhe
<p> O <em>Instituto de Pesquisa Econ&ocirc;mica Aplicada</em> - IPEA divulgou o resultado de pesquisa que enseja conclus&otilde;es preocupantes, uma vez que revelariam a face bruta do estado cultural e emocional de parte da sociedade.</p> <p> Segundo a pesquisa, quase dois ter&ccedil;os dos entrevistados consideram merecedoras de viol&ecirc;ncia sexual as mulheres usu&aacute;rias de &ldquo;roupas que mostram o corpo&rdquo;. N&uacute;mero pouco menor de entrevistados atribui o estupro a certos comportamentos das mulheres.</p> <p> Pode-se discutir a metodologia da pesquisa e at&eacute; mesmo atacar o seu potencial indutivo, j&aacute; que aos entrevistados eram apresentadas proposi&ccedil;&otilde;es com as quais deviam concordar, ou n&atilde;o. Contudo, feitas as corre&ccedil;&otilde;es, resta a percep&ccedil;&atilde;o de que expressiva parte de nossa sociedade se guia por conceitos nefandos sobre a natureza da sexualidade e da liberdade femininas. Basta vermos as manifesta&ccedil;&otilde;es de concord&acirc;ncia que infestaram as redes sociais horas ap&oacute;s a instala&ccedil;&atilde;o do debate na internet, bem como a tentativa de desqualifica&ccedil;&atilde;o da pesquisa.</p> <p> N&atilde;o sei se o IPEA informou aos entrevistados sobre a natureza criminosa dos atos para os quais olhavam com complac&ecirc;ncia quando dirigidos &agrave;s mulheres cuja conduta e vestu&aacute;rio censuravam. Sabe-se da obviedade do car&aacute;ter criminoso da viol&ecirc;ncia sexual em suas variadas formas, mas seria igualmente did&aacute;tico advertir os entrevistados de que sua concord&acirc;ncia com a viol&ecirc;ncia implicaria na aceita&ccedil;&atilde;o de um crime.</p> <p> Tivesse havido esta advert&ecirc;ncia ficar&iacute;amos mais seguros para desenvolver o argumento de que admitimos descumprir a lei quando ela e seus pressupostos morais nos parecem super&aacute;veis.</p> <p> Deve-se perguntar: a partir do resultado, poder&iacute;amos afirmar que, embora saibam da ilegalidade criminosa do estupro, 65% dos entrevistados admitem-na como forma de punir a mulher que abusa de sua liberdade e da liberdade de nossos costumes? &ndash; Isto n&atilde;o me parece claro. Talvez as respostas revelem o reconhecimento da possibilidade, mas n&atilde;o, necessariamente, a admissibilidade. De todo modo, embora se vislumbre um laivo de manipula&ccedil;&atilde;o metodol&oacute;gica, a pesquisa suscita o bom debate.</p> <p> Trata-se de um tema moral estreitamente relacionado com educa&ccedil;&atilde;o e pol&iacute;tica. Note-se que a pesquisa marca o universo dos entrevistados segundo o n&iacute;vel de escolaridade, dado que pode ser &uacute;til para o argumento de que a educa&ccedil;&atilde;o &ndash; laica e livre dos dogmas patriarcais referendados historicamente por religi&otilde;es mis&oacute;ginas, que tornaram o feminino mero ap&ecirc;ndice do masculino&nbsp; &ndash; realmente pode nos livrar de nossas defici&ecirc;ncias, conforme notou Hor&aacute;cio h&aacute; mais de dois mil anos, quando afirmou que precisamos de raz&atilde;o para que n&atilde;o desmoronemos sob os efeitos de nossa pr&oacute;pria for&ccedil;a bruta.</p> <p> Por essa interpreta&ccedil;&atilde;o da pesquisa seria poss&iacute;vel afirmar que qualquer de n&oacute;s, se n&atilde;o submetidos aos limites &eacute;ticos do processo civilizat&oacute;rio (que se d&aacute; por ritos educacionais), admitiria a hip&oacute;tese da viol&ecirc;ncia como forma de punir a mulher pelo simples fato de ela exercer sua autonomia e usar o seu corpo como lhe parecer conveniente. Estaria em nossa natureza, ent&atilde;o, o germe da barb&aacute;rie e da aniquila&ccedil;&atilde;o do outro, a quem se nega qualquer liberdade &ndash; inclusive sobre o pr&oacute;prio corpo - se esta n&atilde;o se alinhar aos nossos des&iacute;gnios.</p> <p> *<strong>Sobre o autor:</strong> <strong>Caleb Salom&atilde;o</strong> vive em Vit&oacute;ria, no Esp&iacute;rito Santo. &Eacute; Advogado e professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Vit&oacute;ria (FDV). Publicou no Brasil a obra <em>Artigos para Amar</em>, e escreveu outros livros tamb&eacute;m na &aacute;rea do direito, como o recente <em>Constitui&ccedil;&atilde;o 1988 &ndash; 25 anos de valores e transi&ccedil;&otilde;es</em>. Ainda este ano, ir&aacute; lan&ccedil;ar tamb&eacute;m os livros <em>Em Busca da Legitimidade e (Des) Casando &ndash; Reflex&otilde;es sobre as emo&ccedil;&otilde;es e o direito nas separa&ccedil;&otilde;es. Acesse: <a href="http://marketing.nethorizontes.com.br/link.php?M=12079015&amp;N=3641&amp;L=2209&amp;F=H">www.calebsalomao.com.br</a></em></p>

Bom Dia Online- Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.

by Mediaplus