17/03/2014 18h24
O Astronauta
<p>
Chamava-se Tião Caninha o distinto morador daquela pequena cidade do interior. Um bebedor legítimo, reconhecido como tal por todos os moradores. Adquirira uma aura exótica devido ao consumo exagerado da água que arde. Mas, apesar de seu hábito etílico, era visto como um bom pedreiro e bom pai, uma figura que não fazia mal a ninguém.</p>
<p>
Certo dia, isso no final da década de 1960, Tião Caninha adentrou a porta de sua casa após passar uma tarde escorado no balcão do Edimar. Como de praxe, havia sorvido um litro de cachaça ruim, que fazia brotar água dos olhos. Os bebedores inveterados apreciam pingas fortes, daquelas que espinham a garganta e fervem o estômago. Naquele sábado, Tião, um cruzeirense fanático, assistiu com ansiedade ao jogo do seu time. Como a vitória não veio, foi obrigado a levar consigo a caixa de foguetes de 12 tiros comprada para comemorar o triunfo da paixão.</p>
<p>
Na sala da morada estavam sua Dona, a mãe e mais quatro amigas sexagenárias. Assistiam a um programa jornalístico. Tião entrou calado e seguiu para o quarto, cuja porta entreaberta proporcionou-lhe também a visão da TV.</p>
<p>
“Foguete que levará homem à Lua partirá na próxima semana”. Era a manchete que ecoava pela sala. Tião Caninha firmou um pouco o corpo e pôs-se a matutar. Ora, se aqueles sujeitos iriam para a Lua montados num foguete, ele também poderia fazer o mesmo.</p>
<p>
A caixa de fogos encontrava-se ao lado da cama. Ele retirou todos os seis canudos de papelão e posicionou-os debaixo do leito. Improvisou um barbante e amarrou-o de forma a criar um pavio único que acenderia todos os foguetes em seqüência. Feito isso, Tião Caninha pôs fogo no barbante, deitou ligeiro na cama, cruzou os braços sobre o peito e fez com que seus músculos ficassem tesos, para agüentar o tranco da viagem. Ainda teve de tempo de olhar para o teto e, num cálculo preciso, prever por qual vão do telhado seu corpo passaria.</p>
<p>
Em segundos iniciaram-se os estouros. As velhinhas que não enfartaram saíram em disparada para a rua, em meio à fumaça espessa que tomara conta da casa. O cheiro de pólvora era asfixiante. Algumas senhoras choravam e outras pediam clemência a Deus, iniciando várias orações.</p>
<p>
Alguns minutos depois, já com o alvoroço formado e a frente da casa tomada por vizinhos, Tião Caninha surgiu por entre a densa camada cinza suspensa no ar. Tossindo um pouco, olhou aquela multidão e disparou, orgulhoso: “Na Lua eu não cheguei, mas passei pertinho, pertinho”.</p>
<p>
E se você tem dúvidas se isso realmente ocorreu, é só confirmar com os moradores mais antigos de Santa Maria de Itabira.</p>
<p>
</p>
<p>
<a href="http://www.youtube.com/watch?v=ge83mn01yl4">http://www.youtube.com/watch?v=ge83mn01yl4</a></p>