Bom Dia - O Diário do Médio Piracicaba

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24/02/2014 13h48

Brasil consome 14 agrot?xicos proibidos no mundo

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<p> Os indicadores que apontam o pujante agroneg&oacute;cio como a galinha dos ovos de ouro da economia n&atilde;o incluem um dado relevante para a sa&uacute;de: o Brasil &eacute; maior importador de agrot&oacute;xicos do planeta. Consome pelo menos 14 tipos de venenos proibidos no mundo, dos quais quatro, pelos riscos &agrave; sa&uacute;de humana, foram banidos no ano passado, embora pesquisadores suspeitem que ainda estejam em uso na agricultura.</p> <p> Em 2013 foram consumidos um bilh&atilde;o de litros de agrot&oacute;xicos no Pa&iacute;s &ndash; uma cota per capita de 5 litros por habitante e movimento de cerca de R$ 8 bilh&otilde;es no ascendente mercado dos venenos.</p> <p> Dos agrot&oacute;xicos banidos, pelo menos um, o Endosulfan, prejudicial aos sistemas reprodutivo e end&oacute;crino, aparece em 44% das 62 amostras de leite materno analisadas por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) no munic&iacute;pio de Lucas do Rio Verde, cidade que vive o paradoxo de &iacute;cone do agroneg&oacute;cio e campe&atilde; nacional das contamina&ccedil;&otilde;es por agrot&oacute;xicos. L&aacute; se despeja anualmente, em m&eacute;dia, 136 litros de venenos por habitante.</p> <p> Na pesquisa coordenada pelo m&eacute;dico professor da UFMT Wanderlei Pignati, os agrot&oacute;xicos aparecem em todas as 62 amostras do leite materno de m&atilde;es que pariram entre 2007 e 2010, onde se destacam, al&eacute;m do Endosulfan, outros dois venenos ainda n&atilde;o banidos, o Deltametrina, com 37%, e o DDE, vers&atilde;o modificada do potente DDT, com 100% dos casos. Em Lucas do Rio Verde, aparecem ainda pelo menos outros tr&ecirc;s produtos banidos, o Paraquat, que provocou um surto de intoxica&ccedil;&atilde;o aguda em crian&ccedil;as e idosos na cidade, em 2007, o Metamidof&oacute;is, e o Glifosato, este, presente em 70 das 79 amostras de sangue e urina de professores da &aacute;rea rural junto com outro veneno ainda n&atilde;o proibido, o Piretroides.</p> <p> Na lista dos proibidos em outros pa&iacute;ses est&atilde;o ainda em uso no Brasil est&atilde;o o Tricolfon, Cihexatina, Abamectina, Acefato, Carbofuran, Forato, Fosmete, Lactofen, Parationa Met&iacute;lica e Thiram.</p> <p> <strong>Chuva de lixo t&oacute;xico</strong></p> <p> &ldquo;S&atilde;o lixos t&oacute;xicos na Uni&atilde;o Europeia e nos Estados Unidos. O Brasil lamentavelmente os aceita&rdquo;, diz a toxicologista M&aacute;rcia Sarpa de Campos Mello, da Unidade T&eacute;cnica de Exposi&ccedil;&atilde;o Ocupacional e Ambiental do Instituto Nacional do C&acirc;ncer (Inca), vinculado ao Minist&eacute;rio da Sa&uacute;de. Conforme aponta a pesquisa feita em Lucas do Rio Verde, os agrot&oacute;xicos cancer&iacute;genos aparecem no corpo humano pela ingest&atilde;o de &aacute;gua, pelo ar, pelo manuseio dos produtos e at&eacute; pelos alimentos contaminados.</p> <p> Venenos como o Glifosato s&atilde;o despejados por pulveriza&ccedil;&atilde;o a&eacute;rea ou com o uso de trator, contaminam solo, len&ccedil;&oacute;is fre&aacute;ticos, hortas, &aacute;reas urbanas e depois sobem para atmosfera. Com as precipita&ccedil;&otilde;es pluviom&eacute;tricas, retornam em forma de &ldquo;chuva de agrot&oacute;xico&rdquo;, fen&ocirc;meno que ocorre em todas as regi&otilde;es agr&iacute;colas mato-grossenses estudadas. Os efeitos no organismo humano s&atilde;o confirmados por pesquisas tamb&eacute;m em outros munic&iacute;pios e regi&otilde;es do pa&iacute;s.</p> <p> O Programa de An&aacute;lise de Res&iacute;duos de Agrot&oacute;xicos em Alimentos (Para), da Ag&ecirc;ncia Nacional de Vigil&acirc;ncia Sanit&aacute;ria (Anvisa), segundo a pesquisadora do Inca, mostrou n&iacute;veis fortes de contamina&ccedil;&atilde;o em produtos como o arroz, alface, mam&atilde;o, pepino, uva e piment&atilde;o, este, o vil&atilde;o, em 90% das amostras coletadas. Mas est&atilde;o tamb&eacute;m em praticamente toda a cadeia alimentar, como soja, leite e carne, que ainda n&atilde;o foram inclu&iacute;das nas an&aacute;lises.</p> <p> O professor Pignati diz que os resultados preliminares apontam que pelo menos 30% dos 20 alimentos at&eacute; agora analisados n&atilde;o poderiam sequer estar na mesa do brasileiro. Experi&ecirc;ncias de laborat&oacute;rios feitas em animais demonstram que os agrot&oacute;xicos proibidos na Uni&atilde;o Europeia e Estados Unidos s&atilde;o associados ao c&acirc;ncer e a outras doen&ccedil;as de fundo neurol&oacute;gico, hep&aacute;tico, respirat&oacute;rios, renais e m&aacute; forma&ccedil;&atilde;o gen&eacute;tica.</p> <p> <strong>C&acirc;ncer em alta</strong></p> <p> A pesquisadora do Inca lembra que os agrot&oacute;xicos podem n&atilde;o ser o vil&atilde;o, mas fazem parte do conjunto de fatores que implicam no aumento de c&acirc;ncer no Brasil cuja estimativa, que era de 518 mil novos casos no per&iacute;odo 2012/2013, foi elevada para 576 mil casos em 2014 e 2015. Entre os tipos de c&acirc;ncer, os mais suscet&iacute;veis aos efeitos de agrot&oacute;xicos no sistema hormonal s&atilde;o os de mama e de pr&oacute;stata. No mesmo per&iacute;odo, segundo M&aacute;rcia, o Inca avaliou que o c&acirc;ncer de mama aumentou de 52.680 casos para 57.129.</p> <p> Na mesma pesquisa sobre o leite materno, a equipe de Pignati chegou a um dado alarmante, discrepante de qualquer padr&atilde;o: num espa&ccedil;o de dez anos, os casos de c&acirc;ncer por 10 mil habitantes, em Lucas do Rio Verde, saltaram de tr&ecirc;s para 40. Os problemas de malforma&ccedil;&atilde;o por mil nascidos saltaram de cinco para 20. Os dados, naturalmente, refor&ccedil;am as suspeitas sobre o papel dos agrot&oacute;xicos.</p> <p> Pingati afirma que os grandes produtores desdenham da proibi&ccedil;&atilde;o dos venenos aqui usados largamente, com uma irrespons&aacute;vel ironia: &ldquo;Eles dizem que n&atilde;o exportam seus produtos para a Uni&atilde;o Europeia ou Estados Unidos, e sim para mercados africanos e asi&aacute;ticos.&rdquo;</p> <p> Apesar dos resultados alarmantes das pesquisas em Lucas do Rio Verde, o governo mato-grossense deu um passo atr&aacute;s na preven&ccedil;&atilde;o, flexibilizando por decreto, no ano passado, a legisla&ccedil;&atilde;o que limitava a pulveriza&ccedil;&atilde;o por trator a 300 metros de rios, nascentes, c&oacute;rregos e resid&ecirc;ncias. &ldquo;O novo decreto &eacute; um retrocesso. O limite agora &eacute; de 90 metros&rdquo;, lamenta o professor.</p> <p> &ldquo;N&atilde;o h&aacute; um &uacute;nico brasileiro que n&atilde;o esteja consumindo agrot&oacute;xico. Viramos mercado de escoamento do veneno recusado pelo resto do mundo&rdquo;, diz o m&eacute;dico Guilherme Franco Netto, assessor de sa&uacute;de ambiental da Funda&ccedil;&atilde;o Osvaldo Cruz (Fiocruz). Na sexta-feira, diante da probabilidade de agravamento do cen&aacute;rio com o afrouxamento legal, a Fiocruz emitiu um documento chamado de &ldquo;carta aberta&rdquo;, em que convoca outras institui&ccedil;&otilde;es de pesquisa e os movimentos sociais do campo ligados &agrave; agricultura familiar para uma ofensiva contra o poder (econ&ocirc;mico e pol&iacute;tico) do agroneg&oacute;cio e seu forte lobby em toda a estrutura do governo federal.</p> <p> <strong>Rea&ccedil;&atilde;o da Ci&ecirc;ncia</strong></p> <p> A primeira trincheira dessa batalha mira justamente o Pal&aacute;cio do Planalto e um decreto assinado, no final do ano passado, pela presidente Dilma Rousseff. Regulamentado por portaria, a medida &eacute; inspirada numa lei espec&iacute;fica e d&aacute; exclusividade ao Minist&eacute;rio da Agricultura _ hist&oacute;rico reduto da influente bancada ruralista no Congresso _ para declarar estado de emerg&ecirc;ncia fitossanit&aacute;ria ou zoossanit&aacute;ria diante do surgimento de doen&ccedil;as ou pragas que possam afetar a agropecu&aacute;ria e sua economia.</p> <p> Essa decis&atilde;o, at&eacute; ent&atilde;o era tripartite, com a participa&ccedil;&atilde;o do Minist&eacute;rio da Sa&uacute;de, atrav&eacute;s da Anvisa, e do Minist&eacute;rio do Meio Ambiente, pelo Ibama. O decreto foi publicado em 28 de outubro. Tr&ecirc;s dias depois, o Minist&eacute;rio da Agricultura editou portaria declarando estado de emerg&ecirc;ncia diante do surgimento de uma lagarta nas planta&ccedil;&otilde;es, a Helicoverpa armigera, permitindo, ent&atilde;o, para o combate, a importa&ccedil;&atilde;o de Benzoato de Emamectina, agrot&oacute;xico que a multinacional Syngenta havia tentado, sem sucesso, registrar em 2007, mas que foi proibido pela Anvisa por conter subst&acirc;ncias t&oacute;xicas ao sistema neurol&oacute;gico.</p> <p> Na carta, assinada por todo o conselho deliberativo, a Fiocruz denuncia &ldquo;a tend&ecirc;ncia de supress&atilde;o da fun&ccedil;&atilde;o reguladora do Estado&rdquo;, a press&atilde;o dos conglomerados que produzem os agroqu&iacute;micos, alerta para os inequ&iacute;vocos &ldquo;riscos, perigos e danos provocados &agrave; sa&uacute;de pelas exposi&ccedil;&otilde;es agudas e cr&ocirc;nicas aos agrot&oacute;xicos&rdquo; e diz que com prerrogativa exclusiva &agrave; Agricultura, a popula&ccedil;&atilde;o est&aacute; desprotegida.</p> <p> A entidade denunciou tamb&eacute;m os constantes ataques diretos dos representantes do agroneg&oacute;cio &agrave;s institui&ccedil;&otilde;es e seus pesquisadores, mas afirma que com continuar&aacute; zelando pela preven&ccedil;&atilde;o e prote&ccedil;&atilde;o da sa&uacute;de da popula&ccedil;&atilde;o. A entidade pede a &ldquo;revoga&ccedil;&atilde;o imediata&rdquo; da lei e do decreto presidencial e, depois de colocar-se &agrave; disposi&ccedil;&atilde;o do governo para discutir um marco regulat&oacute;rio para os agrot&oacute;xicos, fez um alerta dram&aacute;tico:</p> <p> &ldquo;A Fiocruz convoca a sociedade brasileira a tomar conhecimento sobre essas inaceit&aacute;veis mudan&ccedil;as na lei dos agrot&oacute;xicos e suas repercuss&otilde;es para a sa&uacute;de e a vida.&rdquo;</p> <p> Para colocar um contraponto &agrave;s alega&ccedil;&otilde;es da bancada ruralista no Congresso, que foca seu lobby sob o argumento de que n&atilde;o h&aacute; nexo comprovado de contamina&ccedil;&atilde;o humana pelo uso de veneno nos alimentos e no ambiente, a Fiocruz anunciou, em entrevista ao iG, a cria&ccedil;&atilde;o de um grupo de trabalho que, ao longo dos pr&oacute;ximos dois anos e meio, dever&aacute; desenvolver a mais profunda pesquisa j&aacute; realizada no pa&iacute;s sobre os efeitos dos agrot&oacute;xicos &ndash; e de suas insepar&aacute;veis parceiras, as sementes transg&ecirc;nicas &ndash; na sa&uacute;de p&uacute;blica.</p> <p> O cen&aacute;rio que se desenha no cora&ccedil;&atilde;o do poder, em Bras&iacute;lia, deve ampliar o abismo entre os minist&eacute;rios da Agricultura, da Fazenda e do Planejamento, de um lado, e da Sa&uacute;de, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agr&aacute;rio, de outro. Reflexo da heterog&ecirc;nea coaliz&atilde;o de governo, esta ser&aacute; tamb&eacute;m uma guerra ideol&oacute;gica em torno do modelo agropecu&aacute;rio. &ldquo;N&atilde;o se trata de esquerdismo desvairado e nem de implic&acirc;ncia com o agroneg&oacute;cio. Defendemos sua import&acirc;ncia para o pa&iacute;s, mas n&atilde;o podemos apenas assistir &agrave; expans&atilde;o aguda do consumo de agrot&oacute;xicos e seus riscos com a exponencial curva ascendente nos &uacute;ltimos seis anos&rdquo;, diz Guilherme Franco Netto. A queda de bra&ccedil;os &eacute;, na verdade, para reduzir danos do modelo agr&iacute;cola de exporta&ccedil;&atilde;o e aumentar o plantio sem agrot&oacute;xicos.</p> <p> <strong>Caso de Pol&iacute;cia</strong></p> <p> &ldquo;A ci&ecirc;ncia coloca os par&acirc;metros que j&aacute; foram seguidos em outros pa&iacute;ses. O problema &eacute; que a regula&ccedil;&atilde;o dos agrot&oacute;xicos est&aacute; subordinada a um conjunto de interesses pol&iacute;ticos e econ&ocirc;micos. A sa&uacute;de e o ambiente perderam suas prerrogativas&rdquo;, afirma o pesquisador Luiz Cl&aacute;udio Meirelles, da Fiocruz. At&eacute; novembro de 2012, durante 11 anos, ele foi o organizador gerente de toxicologia da Anvisa, setor respons&aacute;vel por analisar e validar os agrot&oacute;xicos que podem ser usados no mercado.</p> <p> Meirelles foi exonerado uma semana depois de denunciar complexas falcatruas, com fraude, falsifica&ccedil;&atilde;o e suspeitas de corrup&ccedil;&atilde;o em processos para libera&ccedil;&atilde;o de seis agrot&oacute;xicos. Num deles, um funcion&aacute;rio do mesmo setor, afastado por ele no mesmo instante em que o caso foi comunicado ao Minist&eacute;rio P&uacute;blico Federal, chegou a falsificar sua assinatura.</p> <p> &ldquo;Meirelles tinha a fun&ccedil;&atilde;o de banir os agrot&oacute;xicos nocivos &agrave; sa&uacute;de e acabou sendo banido do setor de toxicologia&rdquo;, diz sua colega do Inca, M&aacute;rcia Sarpa de Campos Mello. A den&uacute;ncia resultou em dois inqu&eacute;ritos, um na Pol&iacute;cia Federal, que apura suposto favorecimento a empresas e suspeitas de corrup&ccedil;&atilde;o, e outro c&iacute;vel, no MPF. Nesse, uma das linhas a serem esclarecidas s&atilde;o as raz&otilde;es que levaram o &oacute;rg&atilde;o a afastar Meirelles.</p> <p> As investiga&ccedil;&otilde;es est&atilde;o longe de terminar, mas for&ccedil;aram j&aacute; a Anvisa &ndash; pressionada pelas suspeitas &ndash;, a executar a maior devassa j&aacute; feita em seu setor de toxicologia, passando um pente fino em 796 processos de libera&ccedil;&atilde;o avaliados desde 2008. A PF e o MPF, por sua vez, est&atilde;o debru&ccedil;ados no &oacute;rg&atilde;o regulador que funciona como o cora&ccedil;&atilde;o do agroneg&oacute;cio e do mercado de venenos.</p>

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