01/10/2013 15h00
Pequeno tratado sobre o vacilo
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Uma coisa certa na vida é o vacilo, a famosa pisada na bola, a escorregada, a falha para com o próximo. Favas contadas. Derrapar na curva da existência é um costume geral e irrestrito, não escolhe cargo, cor, dimensão da conta bancária ou caráter. Do Papa ao papai, todos pisam na janta de alguém ao menos uma vez.</p>
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Estava eu a conversar com um amigo dia desses sobre o tema. E logo coloquei-me a pensar quantos foram os meus vacilos mais recentes, pois lembrar de todos é impossível. O assunto começou porque ele, o meu interlocutor, estava ressentido devido a uma falta deste escriba descascador de abobrinhas.</p>
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Esse meu amigo atendeu-me no momento em que precisei, sequer foi feito um contrato de prestação de serviço. No remelexo da rotina, combinamos que a título de pagamento eu lhe daria uma garrafa de Jack Daniel’s, uísque dos brutos, coisa de caboclo mascador de fumo e cowboy do Velho Oeste com reluzente cicatriz na cara e barba ensopada de poeira.</p>
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Tempo foi, tempo vai, e nada de eu encher o copo do companheiro. Até cheguei a comprar o litro, mas, como resido a léguas do credor, antes que fosse possível saldar o débito eu mesmo bebi o suor dos deuses. Sou feito de carne e osso, tenho minhas fraquezas e meus prazeres.</p>
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E assim deixei a coisa bamba. Lembrava-me da dívida, atentava-me para a necessidade de solver a demanda, mas agia de maneira incompatível à de um sujeito preocupado com a situação. Coisa engraçada nessas horas é que sempre acreditamos que o negócio não é tão importante, que as pessoas não cismarão com pequenos pecados. Mas, aprendamos todos, o problema reside na postura.</p>
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É aquela velha história do fio do bigode. Antes, dizem os mais experientes, palavra era coisa mais certa que castidade de freira. Hoje, nem o dito e nem os hábitos guardam a mesma confiança. Ninguém o obriga a nada, você não vive emparedado por um “três-oitão” a guiar quais compromissos deve assumir. São escolhas, opções tomadas de forma soberana e supostamente livre. Devemos arcar com todas as promissórias que assinamos.</p>
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Esse meu amigo, pelo que notei, ficou incomodado, suspeito até puto, com minha atitude. E eu, até então, numa clara mostra de flutuação irresponsável, deixei que minha dívida rolasse pela ribanceira do esquecimento, o meu, no caso. Somos muito exigentes quando o assunto é a ética alheia, as falhas e o comportamento dos outros. Quando estamos na roda, enfiamos a cabeça no buraco do conforto e da autoindulgência. Ah!, o ser humano, coisa de doido.</p>
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Como cobrar de quem quer que seja uma postura decente se nós mesmos quebramos as regras na primeira oportunidade? Essa é uma cantilena já conhecida, principalmente quando desabrocha a discussão sobre os políticos. Aquela parada de a lei servir mais ao outro do que a mim. Uma verdade que chega a arder a pele.</p>
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Vocês devem estranhar eu ter iniciado o texto com a inexorável constatação de que todos nós vacilamos. Assim, devido a tal condição natural da existência, minha escorregada teria justificativa e não precisaria desprender qualquer esforço para solver a querela. Seria mais uma das coisas da vida.</p>
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Não, caro leitor. Não é assim que o universo gira. Você tem responsabilidades, inclusive para com seus vacilos. </p>
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Desde a última semana tomei nota sobre uma série de encontrões que ando cometendo. Por exemplo, afastei-me, sem qualquer motivo, de um sujeito que foi imprescindível para que eu me tornasse um jornalista e, mais que isso, para que eu aprendesse, ainda que palidamente, a ser um pouco mais humano. Intempestivamente, liguei para o cabra numa madrugada recente, sentamos para bebericar uma cerveja e passei a limpo minha sórdida atitude. Senti-me melhor, mesmo que ainda tenha que trabalhar bastante para que retomemos nosso convívio à moda antiga.</p>
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Para o nobre inspirador da coluna, aquele a quem devo um litro de Jack Daniel’s, digo, e assumo publicamente, que o goró será devidamente entregue em mãos. E beberemos juntos. E eu me penalizarei mais uma vez. E rogarei aos santos para que essa pedra no caminho não estrepe os pés da nossa amizade.</p>
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Fica o alerta. Nunca é tarde. Seja para estragar tudo ou para tentar aprumar nosso caráter, nossa postura. Abram o talão de promissórias que mantêm com a vida e comecem a riscar suas dívidas do mapa.</p>
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Contato: thobiasalmeida@gmail.com</p>