Bom Dia - O Diário do Médio Piracicaba

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23/07/2013 18h00

Lusco & Fusco - Tempos de Coroagem

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<p> O solo brasileiro, desde ontem, est&aacute; aben&ccedil;oado com a presen&ccedil;a do Papa Francisco, ao menos para os cat&oacute;licos, que hoje s&atilde;o 57% da popula&ccedil;&atilde;o do pa&iacute;s, &iacute;ndice que outrora ultrapassava os 80%. No entanto, migra&ccedil;&atilde;o religiosa n&atilde;o me interessa, cada um que recorra &agrave; luz que melhor lhe convier. Com tanto palavr&oacute;rio sobre a chegada do secret&aacute;rio de Deus na terra natal do patr&atilde;o, veio-me &agrave; cabe&ccedil;a o tempo em que eu pr&oacute;prio adentrei, ainda que timidamente, os corredores eclesi&aacute;sticos.</p> <p> De antem&atilde;o, reconhe&ccedil;o que o assunto &eacute; deveras sens&iacute;vel e afirmo minha inten&ccedil;&atilde;o de boa f&eacute; ao escrever essa pequena pe&ccedil;a.</p> <p> Mais ou menos aos 12 anos fui admitido como coroinha na Par&oacute;quia de S&atilde;o Miguel, l&aacute; em Rio Piracicaba. N&atilde;o me recordo se alguma vez j&aacute; me passou pela cabe&ccedil;a o sacerd&oacute;cio, acho dif&iacute;cil, mas o certo &eacute; que ningu&eacute;m se mete a coroinha &agrave; toa. Creio que me atra&iacute;am o ritual, as vestimentas, as palavras de salva&ccedil;&atilde;o, a certeza sobre a vida. Mas o principal n&atilde;o residia a&iacute;.</p> <p> &Agrave; &eacute;poca, o p&aacute;roco local era Padre Gustavo, que depois atuou em Jo&atilde;o Monlevade inclusive. Homem amado pela comunidade, simp&aacute;tico e brincalh&atilde;o, Padre Gustavo tinha o carinho da molecada principalmente por permitir e incentivar a peladinha em frente &agrave;s portas sacras da Matriz, num terreno inclinado e cercado por plantas espinhosas, rota movimentada que leva &agrave; principal rua comercial da cidade, a Duque de Caxias. O padre era um espectador ass&iacute;duo, assim como outros dois ou tr&ecirc;s graves senhores, e se divertia com embates memor&aacute;veis e encarni&ccedil;ados entre os garotos do Centro e da Rua da Lama.</p> <p> Seguindo a historieta, al&eacute;m da simpatia que nutria para com Padre Gustavo, as visitas &agrave;s ro&ccedil;as de Rio Piracicaba eram um forte chamariz para meu alinhamento &agrave;s ordens de coroinhas. Posso ser acusado de obten&ccedil;&atilde;o de vantagem il&iacute;cita, mas, para um menino de 12 anos, qualquer andadinha de 10 quil&ocirc;metros significa uma viagem sensacional. As incurs&otilde;es ocorriam em dias de missas nas comunidades rurais e em Rio Piracicaba elas s&atilde;o v&aacute;rias.</p> <p> Cheg&aacute;vamos aos lugarejos e ape&aacute;vamos do Fiat 147 da par&oacute;quia, que circulava abarrotado de moleques, com o peito estufado. Cabe aqui um adendo sobre a velocidade com que Padre Gustavo circulava pelas estradas de terra do munic&iacute;pio. O homem era um monstro ao volante e sempre me perguntei se n&atilde;o era a pr&oacute;pria m&atilde;o de Cristo que guiava aquele autom&oacute;vel. Uma pilotagem que colocava no patamar de manobristas os mais habilidosos campe&otilde;es de ralis.</p> <p> Pois bem, de peito estufado segu&iacute;amos com Padre Gustavo para o interior da igrejinha a fim de prepar&aacute;-la para a celebra&ccedil;&atilde;o. Nesse &iacute;nterim, sobrava algum tempo para r&aacute;pidas trocas de olhares, ing&ecirc;nuas e amedrontadas, com as mocinhas locais, coisa de crian&ccedil;a mesmo. Como v&iacute;nhamos da cidade e &eacute;ramos auxiliares do padre &ndash; para os que n&atilde;o sabem, padre era uma autoridade e tanto em qualquer interior &ndash; t&iacute;nhamos uma moralzinha no conceito daquelas donzelas inacess&iacute;veis.</p> <p> No decorrer da missa, desempenh&aacute;vamos nosso papel com esmero. Que eu me lembre, os postos mais altos dentro da coroagem &ndash; permitam-me o neologismo &ndash; eram o da leitura de partes do programa da missa e o toque de um pequeno sino em momentos cruciais da celebra&ccedil;&atilde;o, quando da consagra&ccedil;&atilde;o da h&oacute;stia e da ingest&atilde;o do vinho. Era um momento tenso e n&atilde;o s&atilde;o poucos os casos em que coroinhas menos habilitados erraram o momento do tilintar.</p> <p> Mas a melhor parte, o que de fato me empurrava para a vida de coroinha, eram as fartas e variadas mesas oferecidas ao padre ap&oacute;s as missas na ro&ccedil;a. Sempre fui gordinho e &agrave;quela &eacute;poca minha barriga era algo de dar orgulho, redondinha e empinada. Nos momentos da ceia, creio que Padre Gustavo levava um lero direto com Deus e pedia a suspens&atilde;o tempor&aacute;ria da gula como pecado, isso para nos livrar do purgat&oacute;rio. Queijos, broa de fub&aacute;, p&atilde;o sovado, biscoito de polvilho, bolinhos de mil tipos, caf&eacute; com rapadura, enfim, tudo que uma mesa do interior poderia oferecer estava ali, bem &agrave; nossa frente.</p> <p> Nunca desfrutamos tanto daquele ditado popular: &ldquo;Comi como um padre&rdquo;. Hoje essa realidade pode at&eacute; ser outra, mas antigamente 99% dos padres eram gordos. Casas como a de Dona Arinda impossibilitam que esses homens sagrados mantenham circunfer&ecirc;ncias mais s&oacute;brias. O pessoal de Rio Piracicaba sabe o que digo.</p> <p> Passado um ano como coroinha, iniciei os treinos no Ros&aacute;rio Esporte Clube, honroso time de futebol da cidade treinado por S&ocirc; Ant&ocirc;nio, professor que n&atilde;o cansava de gritar &agrave; beira do campo aquela instru&ccedil;&atilde;o que nunca mais deixou minha mente: &ldquo;O time t&aacute; torto, o time t&aacute; torto&rdquo;. Certo dia um malandro rebateu: &ldquo;Mas como &eacute; que desentorta S&ocirc; Ant&ocirc;nio?&rdquo;. Deixa pra l&aacute;, isso &eacute; assunto pra outra coluna.</p> <p> Fato &eacute; que os treinos aos s&aacute;bados e os jogos aos domingos de manh&atilde; me raptaram da igreja. Suspendi de s&uacute;bito e para sempre meu caminho dentro do catolicismo.</p> <p> Hoje, afirmo com certa gaiatice: troquei uma religi&atilde;o por outra.</p> <p style="text-align: right;"> <strong><em>Contato: thobiasalmeida@gmail.com</em></strong></p>

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